(Publicado pelo Instituto Millenium)
A dificuldade em se estimar todas as variáveis envolvidas em um determinado fenômeno acaba por fazer com que intervenções bem intencionadas resultem em cenários piores do que aqueles precedidos pela ação humana. Se a afirmativa se faz valer nas ciências naturais, onde a previsibilidade é bem maior dado a existência de laboratórios onde se busca simular com alta precisão os fenômenos reais, quem dirá nas ciências sociais, onde o mais próximo que se chega são as pesquisas de campo e a formulação weberiana de tipos-ideais.
Uma amostra da problemática reside na preocupação governamental com o aumento do nível educacional do país. De início, é irrefutável que a formação de capital humano agrega valor à economia e tem o poder de gerar desenvolvimento. Não são poucos os estudos que demostraram que, seja a partir do estímulo à alfabetização, ao ensino secundário profissionalizante ou às pesquisas universitárias, uma economia tende a se desenvolver quando possui mão-de-obra qualificada para produzir e criar inovações. A lógica estaria, então, em estimular a expansão do provimento educacional, seja ele no nível que for, almejando a formação de capital humano equiparável ao dos países ricos. Daí a necessidade de aumentar o número médio de anos gastos em educação formal e induzir a população ao ensino universitário.
Para tal, nada mais justo do que permitir a expansão dos conselhos profissionais que, a partir de seu conhecimento de causa, ajudariam a promover avanços progressivos em suas áreas de atuação. A partir de seu fortalecimento e desenvolvimento da profissão, nada mais natural do que garantir reservas de mercado, como a dos advogados por meio da OAB, dos administradores pelo CRA, dos médicos pelo CFM e dos engenheiros e arquitetos pelo CREA. Ora essa, se a American Bar Association agrega quase 400 mil advogados nos Estados Unidos e é reconhecida mundialmente por sua qualidade técnica, por que não reproduzir suas práticas no Brasil? A problemática é que instituições similares, em esferas culturais e sociais diferentes, têm grande probabilidade de resultar em cenários diferentes. Foi o que aconteceu.
Uma das poucas leis universais que se provou irrefutável com o tempo foi a da oferta e demanda. Apesar da divergência entre alguns autores que debatem qual vem primeiro, a oferta ou a demanda, é consenso de que uma está sempre atrelada à outra. Ou seja, se há demanda, potencialmente haverá oferta. E se há oferta, desde que adequada ao contexto social, é grande a probabilidade de que exista demanda. O caso do iPad é clássico. Ninguém demandava iPads antes de sua invenção. A partir de seu lançamento (ou oferta), passou-se a demandá-lo. A demanda exagerada pelo bem estimulou outros empresários a produzi-los (ou ofertá-los).
O mesmo aconteceu na educação. No Ensino Superior, passou-se a buscar não o conhecimento garantido pelos cursos universitários, mas o diploma que permitiria ingressar em uma reserva de mercado – fosse ela para concursos públicos ou para a assinatura de projetos que, dado a influência dos conselhos profissionais, só era permitida àqueles de posse de diploma específico. O caminho natural da lógica demanda-oferta foi a multiplicação das faculdades cuja preocupação não era a qualidade do serviço prestado, mas a garantia de um diploma que permitisse a inserção em uma reserva profissional. O fenômeno que se iniciou no bacharelado é visto hoje efervescente nos cursos de pós-graduação que se espalham como se fossem barracas de pipoca.
O fato não deixou livre o Ensino Médio. Ao passo que o mesmo passou a ser requisito básico para a maior parte dos empregos, multiplicou-se o número de colégios cuja oferta era destinada a garantir diploma ao invés de conhecimento. O fenômeno do Enem tende a ser igualmente perverso: transforma-se o ensino secundário em um curso preparatório para o vestibular, que prepara o jovem para realizar uma prova, mas não garante nem seu conhecimento básico para desenvolver-se em uma universidade, nem garante sua formação como trabalhador.
No Ensino Básico o fenômeno é ainda mais perverso. Em busca da inserção de todas as crianças na escola, melhorando a média de anos de estudo em indicadores internacionais, o país acabou estimulando a multiplicação do analfabetismo funcional, onde, por meio da aprovação automática, alunos chegam ao Ensino Médio sem saber ler ou escrever.
É verdade que a resposta para a problemática não reside no total distanciamento do Estado ou no cancelamento de todas as suas políticas educacionais. Por outro lado, também não está no aumento de sua intervenção. Cabe aos agentes, públicos e privados, definir claramente as necessidades do país em termos de educação. Anos escolares só são úteis se agregam valor à mão de obra. Formação universitária só tem validade se gera inovação. Nunca seremos capazes de prever todas as externalidades causadas pela ação humana, mas podemos utilizar os erros do passado para não repeti-los no futuro.