(Publicado pela Gazeta de São João del-Rei [21/03/2015])
Manchete em diversos jornais, a alta do dólar tem sido assunto frequente nas rodas de conversas até mesmo dos brasileiros que não tem a pretensão de viajar para o exterior. Representa um indício de crise econômica e parece afetar principalmente a “elite branca” que passa férias em Miami. Gostaria de utilizar as próximas linhas para desmistificar o assunto, explicando origens e conseqüências deste fenômeno.
Em primeiro lugar, a desvalorização da moeda não é coisa recente, nem se restringe a um indício de crise. Desde as últimas décadas do século XIX foi política oficial de diversos governos latinos que utilizavam a medida para proteger a indústria nacional. A fórmula é simples: imagine que um produto importado custa 10 dólares. Se um real vale um dólar, o produto custa 10 reais; se três reais valem um dólar, o produto passa a custar 30 reais. Com essa desvalorização, produtos estrangeiros ficam mais caros e o consumidor passa a dar preferência para bens produzidos no Brasil.
A medida é comumente defendida por nacionalistas que bradam a importância de uma indústria nacional forte como pilar para melhorar nossa qualidade de vida. A história prova exatamente o contrário. Na prática, o consumidor passa a ter acesso a menos produtos que, em geral, ficam mais caros e com qualidade inferior. Os empresários, por sua vez, não precisam competir para vender sua produção, permitindo que empreguem menos tecnologia e menos controle de qualidade. Depois de certo tempo neste cenário ilusório de protecionismo cambial, a indústria nacional perde completamente o senso de competitividade e, em uma abertura de mercado, acaba quebrando em massa. Foi o que aconteceu no Brasil nas décadas de 1980 e 1990.
Os governos sabem disso. A história se repetiu em toda a América Latina nestas décadas e, por isso, este tipo de protecionismo foi abandonado pela maioria de seus governos. Exemplo é o que fez Carlos Menem na Argentina em 1991 e a equipe de Fernando Henrique Cardoso no Brasil em 1993-1994 quando criaram a paridade do um peso/real por um dólar. Recentemente, quando percebemos a alta do dólar, raramente há uma intenção direta do Governo Federal. Há exceções, claro, mas a regra é que isto seja causado por fenômenos externos, como uma fuga de capitais.
Sendo mais explicativo, quando a demanda por um determinado bem cai, a tendência é que seu valor também caia. No inverno, o baixo consumo de sorvetes leva à queda no seu preço. É o que acontece com nossa moeda. Quando as pessoas acreditam que uma crise está em curso, vão retirar seu dinheiro do país para investir no exterior. A baixa demanda por reais faz seu preço cair e, logicamente, leva a uma alta no dólar. É o que tem acontecido atualmente com a credibilidade extremamente negativa da presidente Dilma Rousseff.
No geral, você pode até não viajar para Miami, mas certamente consome algo que ficará mais caro: um tênis, uma televisão, um serviço pela internet ou até mesmo um quilo de carne (oriundo de uma vaca brasileira alimentada com soja negociada a preços americanos).
Então, quando for discutir o assunto com seus amigos, se lembre: a desvalorização não é recente, mas a causa atual sim; a indústria nacional deve ser valorizada, mas não pode ser mimada; e a alta do dólar também afeta você, que ao invés de Miami prefere passar as férias em Poços de Caldas.