(Artigo publicado pelo Instituto Liberdade e no jornal Estado de Minas)
Enquanto as atenções dos editoriais de política internacional se voltam para a sucessão do regime comunista da Coréia do Norte, a conturbada realidade iraquiana dá sinais de que, mesmo com a ocupação americana, a estabilidade nacional está longe de ser atingida.
Na noite desta segunda-feira (19), apenas um dia após a retirada das tropas de Obama, as autoridades locais emitiram um pedido de prisão para o vice-presidente Tariq Al-Hashimi, acusando-o de dirigir um esquadrão da morte que assassinou uma série de oficiais e burocratas de alto escalão do governo.
O fato, que dividirá políticos e imprensa nos próximos dias, é que não se pode afirmar se a decisão foi baseada em acusações reais ou motivada pela disputa de poder entre o bloco xiita, atualmente na presidência com Nuri Kamal Al-Maliki, e o sunita, liderado por Al-Hashimi.
Tal disputa, alias, é resultado mais do que esperado para o regime de exceção que vive o país após a queda do ditador Saddam Hussein. A diferença, no entanto, é que agora os iraquianos não contarão mais com o suporte dos militares ocidentais para conter suas crises.
A contenção, como se sabe, foi constante nos últimos oito anos. O papel exercido pelos americanos, muito mais do que a mera manutenção da segurança pública, foi também o de coordenar a controversa imposição de um regime democrático em um país fragilizado por uma ditadura violenta que vigorou por 24 anos.
Em linhas gerais, os iraquianos tiveram 19 meses para re-estabelecer todo o seu sistema partidário e eleger, em outubro de 2005, o governo que seria responsável pela condução do país a uma versão ocidentalizada da política árabe.
O resultado foi a eleição de uma coalizão entre os maiores opositores do país, colocando um xiita na presidência e um sunita como vice, enquanto seus blocos de sustentação – partidários e milicianos – lutavam pela dominação do país.
Hoje, como temem os parlamentares do bloco sunita Iraqiya, a situação se aproxima da maior crise política vivida desde o início da redemocratização do país sob o risco de que uma onda de acusações seja direcionada para todos os que não estiverem alinhados com o presidente Al-Maliki.
Culpados existem aos montes, mas a parcela da opinião pública do ocidente é elevada. Se a imposição de qualquer modelo político norte-americano criaria gargalos e crises no Brasil, imaginem o impacto da ocidentalização das relações de poder em uma nação oriental que respira conflitos desde o inicio da civilização suméria ainda quatro milênios antes de Cristo.
Por mais que a democracia representativa soe como um dos padrões universais impecáveis a ser seguido por todos os povos, é fundamental que a opinião pública entenda a necessidade de se respeitar a cultura local quando se deseja prestar qualquer tipo de auxílio internacional. Caso contrário, como pode ser visto, o resultado tende a ser catastrófico.
Agora, apesar da lição, caberá à comunidade internacional do ocidente decidir qual será seu próximo passo: uma nova intervenção, o distanciamento progressivo ou um meio termo que leve em consideração o histórico árabe.