O Titanic da vez

(Publicado pel’O Tempo, 04/10/2016)

Não está completamente certo quem afirma que a esquerda teve seu óbito declarado com o resultado do primeiro turno destas eleições. O mesmo passa a ser fato apenas quando o assunto é o PT: partindo de 630 prefeituras eleitas em 2012, o partido de Lula não passará de 260 ao fim do segundo turno.

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É verdade que anti-heróis como Eduardo Suplicy conseguiram vitórias históricas para a vereança. Com estes, parte da esquerda ideologicamente derivada do PT avançou significativamente. É o caso da REDE de Clécio (Macapá) e do PSOL de Freixo (Rio de Janeiro). Ainda assim, seu resultado em nível nacional foi pífio. Respectivamente, os partidos fizeram 5 e 2 prefeitos, além dos 80 do PCdoB, que avançou 56,9% em relação a 2012.

Isso comprova a crise de credibilidade pós-impeachment, já evidenciada pelos candidatos PTistas que preferiram mascarar a sigla ou se apresentar como “diferentes dos outros”. Ainda, reduz drasticamente as chances de Lula, caso elegível, nas eleições presidenciais de 2018.

Mas mais interessante que os derrotados, é perceber o perfil dos vitoriosos. Em primeiro lugar, não faz sentido afirmar que o brasileiro optou pelo “eu não sou político” ou pelo voto ideológico. A grande maioria do país elegeu o “amigo do amigo”, o candidato do bairro ou aquele que “tem um processo ou outro nas costas mas deixou as ruas asfaltadas nas últimas gestões”.

Ainda assim, o perfil não-político mostrou ter espaço significativo nas urnas. Foi o caso de João Dória, vencendo ao estilo Michael Bloomberg como a alternativa empresarial ao caos político; e também dos candidatos do Partido Novo, selecionados como que em um processo quase autocrático de trainee para multinacional, emplancando com Leandro Lyra (Rio de Janeiro), Janaina Lima (São Paulo), Mateus Simões (Belo Horizonte) e Felipe Camozzato (Rio Grande do Sul). Contando com eles, ganharam espaço nas grandes cidades também o Movimento Brasil Livre (oito eleitos), a Banda Loka Liberal (três) e o Vem Pra Rua (uma) – todos referência no movimento pró-impeachment.

As principais lições são mais de perspectiva futura que realidade atual. A primeira é de que a onda anti-mainstream, já evidente na Europa e América do Norte, chegou ao Brasil e dá sinais que pode se perpetuar, abrindo espaço para figuras até então desconhecidas com apelo para a renovação. O segundo, talvez principal, se relaciona ao conteúdo desta renovação. Aparentemente, não basta, como fez Marina Silva em 2014, se dizer pelo novo, pelo verde ou por bandeiras tradicionais como a educação e a saúde. O eleitor moderno, mais exigente e discrente, quer saber como o candidato pretende lutar por cada um destes motes, identificando seu nível de realismo e afinidade ideológica.

No final das contas, o resultado de 2016 se coloca como a ponta de um grande iceberg que ficará mais claro apenas em 2018. Torço para que o Titanic da vez seja a política do passado.

De vento em popa rumo ao precipício

(Artigo publicado também pelo Instituto Liberdade)

O ano se aproxima do fim e, com tantas velhas novidades, a jovem democracia brasileira exala vícios de poder que acabam por deprimir até o mais entusiasta dos otimistas. Que a reforma política não sairá, não é mistério para ninguém. Ora, qual político no auge de seu segundo ou terceiro mandato aprovaria mudanças que colocariam em risco sua reeleição em 2014? Mas daí a piorar o que já não anda bem, é um passo danoso e absurdo que parece estar sendo dado.

A criação do PSD foi um destes passos. Reuniram políticos insatisfeitos e aspirantes à governistas em um balaio de gatos que tende a ser uma versão apócrifa do PMDB. Surgiu sem passado, se firma sem presente e não demonstra nenhum rumo para o futuro. Como descreveu seu presidente, o prefeito Gilberto Kassab (PSD-SP), “não é de centro, de direita, nem de esquerda”. No entanto, é governista em praticamente todos os estados do país e trava uma batalha sem fim por cargos em todas as esferas de poder. Ou seja: é um pré-adolescente carente querendo atenção e uma mesada maior.

Do outro lado, os partidos pré-existentes passam por uma crise interna sem tamanho, onde se perdem na escolha entre poder e ideologia. Para eles, parece ser impossível aliar ambos os fatores. Vejam o caso do PSDB: além do tradicional embate entre Minas Gerais e São Paulo, não conseguem decidir se adotarão a versão paz e amor ou se farão oposição de verdade. O caso do ministro Fernando Pimentel é apenas uma pequena amostra dos dilemas Aécio-Serristas vividos pela legenda.

Sobre o PT, não preciso nem me aprofundar. O antigo partido que pregava o calote internacional, segue à risca a cartilha do Consenso de Washington e, com a ex-comunista Dilma Roussef, aposta nas privatizações do sistema aeroportuário como solução para o desenvolvimento brasileiro. Concordo totalmente com a fórmula econômica, mas… E os seus filiados?

Filiados, aliás, que nem sempre adotam as mudanças sonhadas por seus líderes partidários. Essa foi a realidade do Democratas: desde sua re-fundação, adotou uma postura invejável em nível nacional. Defendeu a redução dos impostos, promoveu CPIs e cortou na carne quando o então governador Arruda foi acusado de corrupção. No entanto, seus senadores e deputados ainda não conseguiram contagiar prefeitos e vereadores. Em boa parte do interior de todo o país, o partido continua com o antigo vício de ser controlado por caciques e grupos familiares.

No entanto, o que mais me assusta é o comentário do ex-prefeito Cesar Maia (DEM-RJ) em seu conhecido ex-Blog onde, ao analisar a crise européia, afirma que “o orçamento é a razão histórica de ser dos parlamentos” e que estes sofrem atualmente uma crise de soberania com as restrições fiscais que a realidade econômica os impôs.

Não concordo integralmente quando o assunto é a Europa mas, se fosse direcionada para o Brasil, a afirmação seria precisa. Por aqui, mais do que partidos, o que vale é a influência do parlamentar na hora de aprovar suas emendas orçamentárias e fazê-las serem adotadas pela presidência e seus ministros. Para eles, o que dá voto não são discursos inflamados ou projetos de lei, mas recursos para leitos hospitalares, reformas em escolas e instalação de mata-burros.

Cesar Maia revelou uma triste realidade que explica claramente, entre outros, a criação do PSD, o dilema tucano, o capitalismo PTista e a ineficiência da renovação democrata. Explica ainda o fracasso da reforma política e, infelizmente, dá o tom do ano eleitoral que se iniciará em poucos dias.

Enquanto a razão de ser de nosso legislativo for a distribuição do orçamento, continuaremos a ser a democracia das velhas novidades.

Entrevista (comentada) do senador José Agripino

Entrevista concedida pelo presidente nacional do Democratas, senador José Agripino, ao jornal O Tempo (Minas Gerais).

Perguntas em vermelho, respostas em preto e comentários meus em [azul].

O DEM É UM PARTIDO QUE DIMINUIU DE TAMANHO AO LONGO DO TEMPO: PERDEU REPRESENTAÇÃO TANTO NOS GOVERNOS ESTADUAIS QUANTO NO CONGRESSO NACIONAL. POR QUE ISSO ACONTECEU?

O DEM pagou o preço por ter exercido o papel de ator coadjuvante nas alianças com o PSDB. O partido abriu mão, em vários momentos, de disputar governos estaduais e prefeituras para favorecer a vitória do aliado. A mesma coisa aconteceu no plano nacional. E isso fez com que o partido perdesse o papel de protagonista, cedendo espaço ao PSDB, que foi um parceiro leal, mas que, no decurso do tempo, fez com que nós perdêssemos espaços.

[O senador dá sinais de que o DEM está pronto para seguir carreira “solo”. O discurso pode ter dois sentidos: (1) sentir a reação da imprensa/eleitorado em relação a empreitada independente, e/ou (2) avisar ao PSDB que espera um “tratamento melhor” para continuar na parceria]

O DEM errou ao ter escolhido esse caminho?

As circunstâncias nos condicionaram a isso. Essa foi uma opção feita desde a fundação. O PFL foi criado para fazer a transição democrática, com a eleição de Tancredo. Tancredo morreu, assumiu José Sarney, que compôs o governo. Em seguida, nós participamos de disputas alinhados com Fernando Henrique Cardoso, por conta de afinamentos programáticos que tínhamos. Então, as circunstâncias de disputas eleitorais, em função de afinidades programáticas, nos levaram a compor uma chapa. Eles eram mais fortes, tinham candidato a presidente da República com mais chances de ganhar, nós oferecemos o vice e seguimos junto com o PSDB. Não foi o caminho errado, foi o caminho possível.

[Um recado claro ao senador Aécio Neves, reforçando a dívida histórica pela eleição de seu avô]

Em 2009, o partido viveu uma de suas piores crises, que ficou conhecida como “mensalão do Democratas”. Esse episódio já está superado?

Sim. Nós fizemos o que nenhum partido fez. Nós tomamos a iniciativa de expulsar o nosso então principal quadro, o governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, que, do ponto de vista administrativo, ia se conduzindo muito bem, mas que foi apanhado num flagrante atentado à ética. O DEM não hesitou pela sua expulsão em rito sumário. Cadê que o PT toma iniciativa semelhante? Quantos partidos acusados de prática de improbidade por próceres importantes tomam a mesma iniciativa? Para nós, esse assunto ficou encerrado, mas a imprensa, com a repetição da menção permanente do termo “mensalão do DEM” – que nunca foi mensalão do DEM, mas do governo do Distrito Federal -, prejudicou a imagem do partido.

[Como já era esperado, o senador reforça a postura do partido que, em caso de candidatura própria em 2014, baterá na tecla da ética por ter sido o único a cortar na carne. A bandeira é válida também para as eleições nas capitais em 2012]

Recentemente, o DEM também perdeu parte de seus quadros para o PSD. Qual foi a consequência disso para o partido?

O PSD foi criado com integrantes do DEM que tinham compromissos com si próprios, não tinham o compromisso partidário. Então, eles se foram e ficou o partido com a sua essência. Quem ficou no DEM – a maioria de seus líderes – ficou com o prestígio e a história. Então, prejuízo numérico existiu sim. Qualitativo, não.

Quando do surgimento do PSD, muitos parlamentares afirmaram que a tábua de salvação para o DEM seria a fusão com o PSDB. Essa é uma possibilidade?

Esse assunto não está na nossa pauta.

[Mas pode estar… Retorno mais adiante]

E as alianças compulsórias com os tucanos em 2012, já defendidas publicamente, inclusive pelo senador Aécio Neves (PSDB-MG), como ficam?

Não existe isso. O Democratas tem que pensar em si próprio. Cada partido tem a obrigação de pensar em si próprio. Respeitadas as afinidades, se a conveniência do Democratas for a aliança com o PSDB, muito bem, faremos, pois temos afinidades. Reservamos ao PSDB o papel da nossa interlocução privilegiada, mas não compulsória.

O senhor acaba de ser reconduzido à presidência do DEM. Quais os planos para os próximos anos?

Primeiro de tudo, vamos colocar as ideias do partido à frente das nossas próprias lideranças. Nós temos hoje as lideranças mais atuantes dentre os partidos de oposição, mas importantes mesmo têm que ser as nossas ideias. A ideia do Estado compatível com a qualidade do serviço público oferecido. Nunca um Estado com 40 ministérios. Um partido que defende uma carga de impostos que está de acordo com os interesses do Brasil em ser um país competitivo. E não dá para ser competitivo com essa carga tributária incivilizada que nós temos. Um partido voltado para o combate permanente à corrupção. Com as nossas ideias e a nossa postura, nós temos certeza de que haverá crescimento partidário.

Essa valorização das ideias do partido seria uma forma de retomar a ideologia da direita?

O DEM é um partido que tem uma articulação internacional, no plano da América Central, América do Norte e Europa, claramente de centro. Somos filiados ao IDC – Internacional Democrata de Centro – e é isso que nós queremos. A nossa ideologia é o que eu acabei de dizer, se é de centro, de direita ou de esquerda, isso é um carimbo que você pode colocar. O que nós somos é um partido que defende o prestígio do capital privado, o respeito à propriedade privada como forma de se garantir a segurança jurídica do Brasil no plano internacional.

[Apesar do posicionamento ideológico, o senador evita rótulos. Complemento na próxima]

Ou seja, liberal?

Evidentemente que não defendemos o chamado Estado mínimo, mas um Estado compatível, que não comporte 40 ministérios, mas faça uma prestação de serviços com quadros eficientes e não composto por pessoas que tenham como trunfo principal uma estrelinha do PT na lapela. Somos contra a ocupação das funções de Estado por pessoas cujo único mérito seja o alinhamento programático-partidário.

[Devido a péssima imagem linkada com o neoliberalismo e a direita – remetendo à ARENA – o senador evita identificar o Democratas como partido liberal de direita. O conceito liberal, que na Europa está diretamente ligado aos direitos humanos e respeito ao cidadão, toma o rótulo de elitista na América Latina. O objetivo, pelo que entendo, é de que a cúpula do partido não assuma rótulos mas dê liberdade aos seus militantes – essencialmente à juventude – para que os assuma para a criação de uma nova cultura onde a identidade liberal/conservadora/direita não tenha conotação negativa]

O DEM pretende lançar candidato a presidente da República em 2014. Por quê?

Ora, porque o objetivo de qualquer partido político é a chegada ao poder. Agora, os nomes possíveis virão em consequência da tese. A tese da candidatura própria à Presidência está nas cogitações do partido. Mas, entre a tese e o nome, há a distância que vai ser medida no tempo.

E nesse tempo haverá a consolidação de nomes. Eu não tenho dúvidas de que nós – que não temos hoje nenhum prefeito de capital -, nas eleições do próximo ano, faremos alguns prefeitos de capitais e muitos de cidades importantes. A partir desse crescimento de 2012, teremos a volta a, no mínimo, o tamanho que tínhamos antes do ataque do PSD. De acordo com esse crescimento de 2012, a tese da candidatura própria à Presidência, que está posta e defendida no partido, será considerada.

[A tese se torna bem clara: o resultado eleitoral de 2012 definirá o futuro do partido. Caso hajam vitórias consideráveis, a candidatura própria do DEM se viabiliza. Caso haja a manutenção do cenário atual, tudo indica que a aliança com o PSDB será mantida – mesmo que de forma mais distante. Caso o resultado seja péssimo, abre-se a porta para a fusão – seja com quem for]

O PSDB também deve concorrer ao Palácio do Planalto em 2014. Duas candidaturas da oposição ajudarão a derrotar o governo?

Não dá para saber o que vai acontecer daqui a três anos. Quem disse que a oposição não estará suficientemente forte para disputar a eleição com nomes bastante competitivos? Entre hoje e a eleição de 2014, muitos fatos podem acontecer. Você não pode raciocinar 2014 como se fosse hoje.

[Como disse no início: um teste para perceber o retorno da opinião pública e uma pressão sobre o PSDB e, quem sabe, PMDB]

Dilma Rousseff talvez tenha sido a presidente da República que mais viveu crises no seu primeiro ano de governo. Como o senhor o avalia?

Primeiro de tudo, não é o governo de Dilma Rousseff, mas o prosseguimento dos governos do PT. Em um ano, você já teve seis ministros demitidos por corrupção e mais dois estão na fila. Então, você teve um governo que o tempo inteiro conviveu com a improbidade, até porque os ministros que caíram foram substituídos por outros indicados pelo partido do demitido. A punição não existiu nunca. Foi a conivência com a improbidade e a impunidade.

Mas não há méritos da gestão?

Também se esperava de Dilma uma gestão eficiente, mas basta ver os números do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que, no governo dela, são inferiores em matéria de execução. A execução das obras do PAC apresenta hoje um desempenho percentual inferior ao dos tempos em que ela era a executora em nome de Lula. Dilma é frustração em termos políticos e em termos administrativos.

[O jornal O Tempo deu uma excelente oportunidade para que o senador Agripino desse um recado ao senador Aécio Neves em seu território. Os partidos seguem juntos mas é notório que o Democratas demanda mais “carinho” para manter a fidelidade que sempre teve desde a eleição de seu avô. Ao mesmo tempo, o Democratas ensaia vôo próprio e começa a se apresentar para a opinião pública como alternativa política para o país. Dependendo do resultado – e aí são fundamentais tanto os jovens como nossos parlamentares – haverá a viabilidade de termos, por exemplo, o senador Demóstenes Torres – que estará no meio de seu mandato – como candidato. A estratégia vem em boa hora e dá aos idealistas uma oportunidade sem igual de fortalecer seu discurso nas mídias sociais]